"A
Expedição Sagarana" foi uma grande saga, um campo aberto e
indefinidamente infinito. Lugar de trilhas, lutas, histórias e
caminhos, nosso, de Prestes e de Rosa".
José Alexandre de Oliveira Bernardi, colega de
viagem e falecido em 20-04-2003:
Claudio o remanescente ainda vivo da expedição, ao lado de Ronaldo e Zé Alexandre, compõe a equipe dos três expedicionarios.
Claudio Faraco descreve em entrevista exclusiva como foi a aventura pelo Brasil, juntamente com seus amigos da foto acima, eles que refizeram uma enorme marcha através de mais de seis meses, foram os únicos ininteruptamente e integralmente a refazer os caminhos da maior marcha militar da humanidade. Confira abaixo o emocionante relato;
1) 1)
O que motivou a realização da
expedição e por que esta revolução foi a escolhida?
Resposta:
Naqueles anos, José Alexandre e eu passávamos por momentos de grande
insatisfação pessoal e também com a situação política-ecônomica do país.
A
experiência que tivemos com a Operação Tatus II, um experimento de permanência
subterrânea na Bahia, quando 13 espeleólogos ficaram 21 dias isolados dentro de
uma caverna, aguçou nosso espírito aventureiro e, ao término daquela operação,
em julho de 1987, pensamos seriamente em realizar uma expedição que percorresse
grande parte do Brasil.
Tínhamos, portanto, o desejo e a
determinação para realizá-la, mas faltava-nos um tema, um objetivo a cumprir,
pois não queríamos simplesmente sair andando por aí sem um rumo definido.
Uma vez em nossa cidade, comentamos
tal decisão com o amigo Plácido Bernardi Neto, pessoa culta e voraz devorador
de livros. Tanto que, diante da nossa dúvida sobre qual tema poderíamos
utilizar, ele sugeriu de pronto a Coluna Prestes, porque ela tinha exatamente o
roteiro que queríamos: 25 mil km (segundo a maioria dos autores) de sertão
brasileiro.
O mapa mostra o roteiro da viagem.
2)
Como foi o levantamento de recursos para a viagem?
Resposta:
muito difícil porque as grandes empresas, mostrando total desconhecimento sobre
esse período histórico, passaram a vincular os ideais comunistas de Luiz Carlos
Prestes (pós 1927) com os objetivos da Coluna (1924-1927), acreditando que a Revolução
de 1924 tivesse forte embasamento comunista.
Desta
forma, pequenos empresários de nossa cidade, comovidos com nossa luta para
conseguir recursos, financiaram a terça parte do orçamento previsto para tal
empreendimento. O restante, conseguimos com as prefeituras da maioria das
cidades por onde passamos. Para elas, nós solicitamos um lugar para dormir e
comer nos três dias em que ficamos em cada cidade e, no momento de partir, que
fosse completado o tanque de combustível do nosso carro-beberrão (uma Veraneio
1972, a gasolina, apelidada de Albertina). Somente assim foi possível realizar
a expedição.
Os 3 expedicionários Ronaldo, Claudio e Zé Alex (camisetas brancas). O
senhor de camisa xadrez Antonio Daldosso (já falecido), dono da
Porcelana Monte Sião e fabricante do famoso cantil.
3)
Como foram as recepções nas cidades
por onde passaram?
Resposta:
A melhor possível. No Sul, Norte e Centro-Oeste, apoio total à expedição. No
Nordeste, a forte crise econômica do período Sarney fez com que muitas cidades
não nos ajudassem em decorrência da visível falta de recursos financeiros.
Pernambuco, por exemplo, foi o único estado onde nada conseguimos, mas volto a
repetir: não foi por má vontade dos prefeitos. Neste particular, apenas
Floriano, no Piauí – cujo prefeito se recusou a nos receber achando que éramos
comunistas –, e Nova Iorque, no Maranhão, onde chegamos num sábado e a
prefeitura se encontrava fechada.
4)
Vocês viram um Brasil diferente em relação ao dos anos 20, visto pelos
revolucionários?
Resposta:
A leitura do livro de Lourenço Moreira Lima, secretário da Coluna – “A Coluna
Prestes – Marchas e Combates” -, nos forneceu um precioso painel da situação
sócio-político-econômico da época da Coluna (1924-1927). O que presenciamos há
25 anos foi ainda uma pobreza chocante disseminada pelos 25 mil km percorridos
pela Coluna. Se aquela miséria não tinha a mesma intensidade da narrada por
Moreira Lima em seu livro, mesmo assim era ainda assustadora.
5)
Qual a maior emoção e a maior decepção que tiveram?
Resposta:
Bem, essa questão, como é muito pessoal, não posso responder pelos dois amigos,
ambos, infelizmente, não mais presentes.
Para mim, sem dúvida, foi perceber
um país cuja população é maravilhosamente receptiva, alegre, festiva, que abre
as portas da sua humilde residência para receber o visitante com muito orgulho
e carinho.
Por
outro lado, o povo brasileiro ainda é muito complacente para com os desmandos e
a corrupção da classe política nacional. E isso é muito triste.
6)
Quando chegaram a Dionísio Cerqueira, como foi a acolhida da cidade, o que
acharam dela e como estava linha Separação na época?
A Albertina junto a um dos marcos secúndarios da Fronteira.
A
foto da Albertina entre Barracão e D. Cerqueira: A Albertina (nome da
Veraneio dos viajantes) está com a metade esquerda na cidadede
Barracão/PR e a direita em Dionísio Cerqueira/SC, pois ambas as cidades
se misturam.
Resposta:
Na verdade, ficamos extremamente confusos, pois não sabíamos se estávamos em
Barracão ou Dionísio Cerqueira (não imaginávamos que elas se misturam). Na
rodovia, antes de chegarmos às cidades, não havia placas indicativas e isso
aumentou muito nossa confusão. Estávamos perdidos e procuramos a primeira
prefeitura que vimos. Lá também ninguém disse se era a prefeitura de Barracão
ou de Dionísio Cerqueira. As coisas foram se complicando cada vez mais até que
o secretário da prefeitura de Barracão nos explicou tudo. Por isso e também
pela falta de informação sobre fatos da Coluna, acabamos vendo pouca coisa
sobre o assunto. Posso lhe garantir, entretanto, que tanto Barracão como
Dionísio Cerqueira nos receberam com muito carinho. Quanto à Separação, é uma área
que deveria ser inteiramente preservada dada a importância dos fatos que aí se
sucederam.
Vista de Separação em 1988.
A Expedição Sagarana no celebre cemitério.
7) O Sr. Oviedo
Farias, morador de Separação até meados dos anos 90, dizia ter recebido um
cantil de vidro de Prestes. Este cantil hoje está de posse de nossa associação
e tem a inscrição da Expedição Sagarana. O que o amigo tem a dizer com relação
a este fato? Prestes poderia ter dado este cantil a ele?
Oviedo mostra capsulas de Fuzil a expedição.
Resposta. O Sr. Oviedo certamente fez uma confusão histórica na cabeça dele. O cantil foi um presente nosso já que tínhamos centenas deles oferecidos pela Porcelana Monte Sião, uma das patrocinadoras da viagem. Prestes, possivelmente, sequer conheceu o cantil com o logotipo da Expedição.
8) Por que pouco se fala sobre São Paulo que foi
o estado onde surgiu a Revolução, e por que nomes como Miguel Costa que foi o
comandante da coluna, praticamente é ignorado pela historiografia?
Resposta: É muito difícil responder a uma questão que envolve dezenas de historiadores nacionais e estrangeiros. Penso que a fortíssima personalidade de Prestes – embora na época com apenas 26 anos de idade -, aliada à sua fantástica estratégia militar tenha, de certa forma, “amarrado” a maioria dos historiadores que acabaram fascinados com a sua pessoa, sua luta e determinação.
9) Por que o
governo evita a Coluna?
Resposta: Na
verdade, Cleiton, se me permite dizer, acho que a pergunta deveria estar no
plural: Por que os governos evitam e evitaram a história da Coluna Prestes?
Porque no jogo político da Ditadura
Militar, comunista não entrava e nem era bem aceito. Embora já tenhamos dito
que “Coluna Prestes” e “Prestes Comunista” são duas coisas distintas e de
épocas também distintas, o imaginário
popular misturou ambos os fatos e fixou a ideia de que a Coluna era um
movimento comunista. Portanto, não é de se assustar com o fato de que até mesmo
os livros didáticos desprezaram esse importante fato histórico da nação,
durante décadas seguidas.
10) Vocês foram
expedicionários e isso fica gravado para uma vida inteira: as histórias, os
amigos, tudo o que passaram. É preciso muito tempo e determinação para uma
empreitada como esta. Existe uma história de que Luis Carlos Prestes Filho
teria também refeito a trajetória de 25 mil km, assim como uma repórter
conceituada do Jornal Zero Hora, de Porto Alegre, Eliane Brum, que escreveu um
livro ao percorrer a marcha. Você acredita que eles realmente refizeram o
percurso da Coluna integralmente como a Expedição Sagarana fez?
Resposta: A questão
é polêmica, mas alguns dados podem esclarecer melhor os fatos. Li o livro de
Eliane em 1995, portanto, há 18 anos. Não me lembro de detalhes, como, por
exemplo, citações sobre as cidades por onde a Coluna passou ou de dados mais
específicos acerca deste assunto.
Pela carta que
enviamos a ela, em 22 de janeiro de 1995 (cópia anexa), é possível fazer a
seguinte análise: no livro, ela diz que
refez todo o trajeto em 44 dias, numa média alta de 568 km/dia, de onde se
deduz que a mesma fez uso de transporte aéreo. Isto, obviamente, não
descrendencia o trabalho dela, mas pelo meio de traslado utilizado, somos
encorajados a pensar que centenas de cidades, vilas e locais históricos da
Coluna simplesmente deixaram de ser visitados.
Por outro lado, a
Expedição Sagarana fez uma média diária bastante razoável de 137 quilômetros numa
viagem ininterrupta de seis meses passando por todos os locais onde a Coluna
esteve.
Carta enviada a Eliane Brum.
Quanto a Prestes
Filho, lembramos apenas de ele nos ter dito que a verba para a sua empreitada
havia sido drasticamente reduzida pelos patrocinadores. Depois disso, não
tivemos mais contato com ele.
Finalizando, há que
se registrar que muita coisa mais poderia ser comentada em relação à Expedição
Sagarana, desde os 12 meses de preparação e os seis de uma viagem insólita e
inesquecível.
Não há como negar: a
Sagarana foi a maior realização da minha vida. Ela veio no momento certo e a
oportunidade, se perdida, jamais ofereceria uma segunda chance.
Foto atual de Claudio Faraco;
Para conversar diretamente com Claudio Faraco é só entrar em contato através do email:jclaudiofaraco@hotmail.com
Obs: Em breve novas postagens sobre esta incrivel expedição.
Cleiton, obrigado novamente pela excelente oportunidade de expormos a trajetória da Expedição Sagarana e a sua saga através de 25 mil km de sertão brasileiro.
ResponderExcluirGrande abraço.
José Claudio Faraco
Monte Sião/Minas Gerais
Quero deixar registrada minha satisfação tanto pelo feito do Cláudio e companheiros, bem como a disposição do Cleiton em ir a fundo nesta divulgação, revestida de muita cultura. Necessidade maior deste enorme país. Obrigado a ambos.
ExcluirCarlos Caetano Monteiro.
Monte Sião - MG
Brava gente brasileira ! É por essas e por outras que ainda podemos (e devemos) acreditar nesse país, na nossa gente e nas mídias alternativas !!!
ResponderExcluirGrato á todos.
Fico sempre muito feliz quando sinto a vitalidade de uma iniciativa/saga tão importante como a "Expedição Sagarana".
ResponderExcluirGraças ao trabalho do Cláudio Faraco continuamos informados sobre o passado e o presente deste nosso país.
Agora podemos contar com o Sr. Cleiton também.
Muito obrigada.
Maria Andréa O. Bernardi
Roma - Itália
P.S. uma cópia do Livro "Expedição Sagarana - Uma aventura de 25 mil km pelo Sertão" se encontra na Biblioteca Tullio Ascarelli na Embaixada do Brasil em Roma.